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Mapa indica local em que o bólido adentrou a atmosfera terrestre, na região siberiana (Foto: Editoria de Arte/G1)
Não se tem notícia de quaisquer expedições que tivessem atingido a região logo após a misteriosa explosão de Tunguska, na Sibéria, em 1908; provavelmente, os seus registros se perderam durante os caóticos anos subseqüentes em virtude da Primeira Guerra Mundial, da Revolução Russa e da Guerra Civil Russa.
A primeira expedição, uma década após o evento, da qual existem registros ocorreu em 1921, quando o mineralogista russo Leonid Kulik (1883-1942) visitou a bacia hidrográfica de Tunguska para realizar um levantamento para a Academia de Ciências Soviética.
Durante essa exploração, Kulik aproveitou para estudar os relatos dos moradores sobre o fenômeno de 1908, quando concluiu que a explosão teria sido provocada pelo impacto de um meteorito gigante. Uma vez aceita essa idéia, acreditando que se poderia explorar com grande lucro o ferro e outros metais trazidos pelo meteorito ao local de impacto, Kulik iniciou uma longa pesquisa para identificar com precisão o ponto da queda.
Após minucioso estudo nos jornais da época, Kulik resolveu distribuir um questionário em algumas aldeias siberianas, para determinar com precisão o ponto provável da explosão e obter uma melhor visão da ocorrência.
De volta a Moscou, Kulik persuadiu o governo soviético a financiar uma expedição para a região de Tunguska, com base na perspectiva de que o ferro meteórico poderia ser recuperado e constituir uma expressiva ajuda à indústria.
Em 1924, os testemunhos mais valiosos foram obtidos pelo geólogo soviético Vladimir Afanasyevich Obruchev (1863–1956), que, durante seu trabalho ao longo do rio Tunguska, procurou ouvir os habitantes da região.
Constatou que os moradores, os tungues, tinham uma atitude de profundo respeito pelo fenômeno, pois afirmavam que o meteoro era sagrado.
Havia mesmo certo receio de falar sobre o assunto, pois acreditavam que o meteoro fora enviado em sinal de castigo e por isso procuravam ocultar o local da queda. Isso confirmava que não deviam estar muito longe do local do impacto.
Em fevereiro de 1927, Kulik partiu para a segunda viagem, agora com objetivo mais bem definido. A primeira parte da viagem foi feita de trem, até Kanks, e o resto de trenó, puxado por cavalo. Suportaram temperatura de -4 graus Celsius, apesar de estarem na época mais favorável.
Ao atingirem o rio Tunguska, resolveram acompanhar o rio Chambém e depois o rio Makirta. Em 13 de abril, nas margens desse último, contemplaram um panorama inenarrável: uma imensa devastação na floresta, que aumentava à medida que se dirigiam para o norte.
Enormes árvores seculares haviam sido derrubadas e uma grande área de árvores mortas mostrava sinais de calcinação de cima para baixo, como se um súbito e instantâneo calor as houvesse queimado.
Imagem feita pelas primeiras expedições que viajaram à região de Tunguska e viram a floresta devastada pelo impacto (Foto: Reprodução)
Impacto sem cratera
Não havia sinal de um incêndio. Só o calor poderia ter causado aquele tipo de destruição, concluíram Kulik e sua equipe, depois de cuidadosa análise. Para sua surpresa, nenhuma cratera foi encontrada; nenhum sinal de uma cratera meteórica semelhante à grande Meteor Crater, que existe no Arizona.
Ao contrário, encontrou-se uma região de cerca de 50 km de diâmetro onde as árvores estavam inclinadas e queimadas. Na região situada abaixo da explosão, os troncos calcinados ainda estavam estranhamente de pé na posição vertical, os seus ramos e casca despojados. As árvores mais afastadas do centro, ao redor do epicentro do evento, haviam sido derrubadas pela onda de choque que se deslocou do centro para a periferia.
Insatisfeito com os resultados, Kulik voltou em 1928, e depois em 1929, quando permaneceu mais de 18 meses na região, efetuando pesquisas, sondagens e escavações. Chegaram até a perfurar vários poços com mais de 20 metros de profundidade, em busca de fragmentos do tal meteorito. Não encontraram nada. Verdadeiro mistério. Para Kulik, talvez o meteoro não houvesse se chocado com a Terra, mas explodido no ar acima da região sinistrada.
Em 1930, o matemático e meteorologista inglês Francis John Welsh Whipple (1876-1943), superintendente do Observatório de Kew, e o soviético Igor Stanislavovich Astapovich (1908-1976) concluíram independente e simultaneamente, que o objeto que caiu em Tunguska era provavelmente um cometa gasoso.
Na mesma época, um dos principais colaboradores de Kulik, o astrônomo e geólogo soviético Yevgeny Leonidovich Krinov (1906-1984) concluiu também que a bola de fogo de 1908 tinha sido um meteorito, como está publicado em "The Tungus Meteorite", 1949.
Não satisfeito com os resultados de suas pesquisas, Kulik voltou em 1938/1939 à região do impacto. Durante os dez anos seguintes, mais três expedições foram realizadas na área.
Kulik encontrou algumas “covas de poste”, turfeira que acreditou serem crateras, mas, depois de um laborioso trabalho de drenagem da turfeira, encontraram-se velhos troncos no fundo, excluindo a possibilidade de que se tratava de uma cratera meteórica.
Em 1938, Kulik conseguiu realizar um levantamento aerofotogramétrico da região, que revelou que o evento, além de provocar a destruição das árvores, apresentava-se como uma enorme estrutura em forma de borboleta.
Apesar da grande de devastação, nenhuma cratera foi descoberta. As conclusões dessas últimas expedições foram interrompidas pela Segunda Guerra Mundial, quando o mineralogista Kulik, ferido em combate, morreu num campo de prisioneiros, em 1942.
Após a interrupção causada pela Segunda Guerra Mundial, as expedições foram retomadas depois de 1958. Na década de 1960, expedições enviadas para a área encontraram esferas de vidro microscópicas em pérolas do solo. Análise química mostrou que as esferas continham um alto nível de níquel e irídio, que são encontrados em concentrações elevadas nos meteoritos, indicando que eles eram de origem extraterrestre.
Mais tarde, a Universidade de Tomsk, na Sibéria, associou-se ao Instituto Científico de Pesquisas em Biologia e Biofísica, que organizou, sob a direção de Gennady Plekhanov, duas expedições para pesquisar indícios de uma contaminação radioativa na região, em 1959 e 1960. No entanto, não encontraram níveis elevados de radiação, o que se poderia esperar se a detonação fosse de natureza nuclear.
Hipótese do meteoro
Nos meios científicos, a explicação dominante é a de uma explosão atmosférica de um meteoróide entre 6 e 10 quilômetros acima da superfície da Terra. Meteoros estão constantemente penetrando na atmosfera da Terra, provenientes do espaço exterior, normalmente viajando a uma velocidade de mais de 10 quilômetros por segundo.
O calor gerado pelo atrito contra a atmosfera é imenso, quando a maioria dos meteoros queima-se completamente ou explode antes que eles possam alcançar o solo. A partir da segunda metade do século XX, acompanhamento de perto da atmosfera da Terra levou à descoberta de que meteoros que explodem na atmosfera ocorrem com bastante freqüência. Um meteoróide pedregoso de cerca de 10 metros de diâmetro pode produzir uma explosão de cerca de 20 quilotons, semelhante à bomba atômica Little Boy, lançada sobre Hiroshima; dados liberados pelo Programa de Apoio de Defesa da Força Aérea dos Estados Unidos têm demonstrado que essas explosões ocorrem a uma taxa superior a uma vez por ano.
Já as explosões da ordem de um megaton ou maiores, semelhantes ao evento de Tunguska, são eventos muito raros. O astrônomo e geólogo norte-americano Eugene Shoemaker (1928-1997) estimou que eventos análogos devessem ocorrer à proporção de um a cada 300 anos.
Características da explosão
O curioso efeito da explosão de Tunguska sobre as árvores próximas ao epicentro tem sido observado também durante os testes nucleares realizados na atmosfera na década de 1950 e 1960, em virtude da onda de choque produzida por essas grandes explosões.
As árvores situadas diretamente embaixo da explosão se encontravam despojadas das folhas por uma onda de choque que se desloca verticalmente para baixo, enquanto árvores abatidas são aquelas situadas mais longe do epicentro, porque a onda de choque viaja mais horizontalmente, quando as alcançam.
Experiências soviéticas realizadas em meados dos anos 1960 com modelo de florestas e pequenas cargas explosivas produziram estruturas em forma de borboleta em uma contundentemente semelhança à encontrada na região do evento de Tunguska.
As experiências sugerem que o objeto deve ter se aproximado em um ângulo de aproximadamente 30 graus em relação à superfície terrestre e 115 graus ao norte, quando explodiu no ar.
Após as expedições efetuadas pela Academia de Ciências Soviética, em 1958, 1961 e 1962, a hipótese mais aceita passou a ser a do choque de um cometa. O astrofísico Vasiliy Grigorievich Fesenkov (1889-1972), membro da Comissão de Meteoros da Academia de Ciências da URSS, chegou mesmo a calcular que a possível velocidade do cometa na hora do impacto seria de 30 a 40 km por segundo.
A partir de 1963, o presidente da Academia de Ciências da URSS, o acadêmico Nikolai Vladimirovic Vasilyev (1930-2001), da Universidade de Tomska, Sibéria, coordenou cerca de 30 expedições científicas na região de Tunguska.
Somente depois de 1989 os cientistas estrangeiros foram oficialmente convidados a participar das expedições soviéticas.
Desde então as missões se multiplicaram com objetivo de encontrar uma explicação para o evento de Tunguska. O geólogo Roy A. Gallant foi o primeiro cientista americano a se associar a essas expedições que teriam mais tarde a colaboração de russos, alemães, japoneses, ingleses e italianos.
Nesse período, o engenheiro soviético Alexander Petrovitch Kazantsev (1906-2002), autor de inúmeros livros sobre xadrez e ficção científica, sugeriu que a explosão teria sido produzida pelo choque com a Terra de uma nave espacial marciana, movida por reatores nucleares. As determinações da radioatividade na região foram, entretanto, insuficientes para caracterizar tal ocorrência.
Segundo os estudos do astrônomo eslovaco Lubor Kresak (1927-1994), em 1978, a explosão de Tunguska deve ter sido provocada por um fragmento que se separou do núcleo do cometa periódico Encke. Com efeito, a análise da trajetória descrita pelo objeto que se chocou na Sibéria é quase idêntica aos elementos do cometa Encke.
Parece que a seis quilômetros de altitude do local do impacto ocorreu uma explosão muito luminosa que gerou uma onda de choque que devastou uma área de dois mil quilômetros quadrados, sem provocar nenhuma cratera, pois o objeto deve ter se desintegrado totalmente durante a explosão final.
Tudo indica que se tratava de um objeto muito frágil, que não ultrapassou em sua penetração na atmosfera uma altura superior a 6.000 metros.
Um exemplo semelhante ocorreu em dezembro de 1974, em Sumawa, Tchecoslováquia (hoje Eslováquia), quando uma bola de fogo foi registrada pelas câmaras todo-o-céu.
O corpo meteoróide desta bola de fogo devia ter cerca de 200 toneladas quando penetrou na atmosfera com uma velocidade de 25 km/s, tendo sido destruído completamente em 3 segundos.
As principais emissões luminosas ocorreram entre 73 e 61 km. Um único fragmento atingiu 55 km de altura.
Outro fenômeno análogo ao de Tunguska foi filmado pelos norte-americanos em outubro de 1969, em Ojarks. O corpo gerador de fogo de Ojarks devia possuir cerca de 35 toneladas. Quando atingiu 22 quilômetros de altura, desintegrou-se, provocando duas explosões, responsáveis por uma série de ondas de choque.
O corpo de Tunguska, segundo tudo indica, penetrou na atmosfera com uma velocidade de 31 km/s, chegando à altura de 6 quilômetros. Para atingir tal distância antes de se desintegrar, o objeto de Tunguska deve ter sido um rochedo bastante compacto, semelhante aos meteoritos condritos.
A sua desintegração, quando sua velocidade era de 12 a 14 km/s, provocou uma onda de calor capaz de queimar as vestimentas dos indivíduos situados a 60 km do local do impacto, como, aliás, foi relatado por testemunhas que viviam nas vizinhanças.
Para confirmar essa hipótese, encontrou-se uma enorme quantidade de pequenas esferas de metal e silício na região.
Tais conclusões sobre o objeto que se chocou com a alta atmosfera terrestre só foram possíveis graças aos estudos efetuados nas últimas três décadas com as redes de câmeras todo-o-céu, fotografando num campo de 180 graus, permitindo um registro contínuo dos bólidos que atingem o nosso envoltório gasoso.
Assim, foi possível estudar os objetos cujo diâmetro atinge dezenas de metros e cujo peso pode variar em centenas de toneladas. Entre esses se distinguem três diferentes tipos. Em primeiro lugar, os objetos compactos, rochosos, que podem ser associados aos meteoritos habituais. Depois os objetos mais frágeis, semelhantes aos meteoritos carbonatos. No terceiro grupo encontram-se duas espécies de materiais muito frágeis: um deles é uma forma primitiva de rocha carbonácea e a outra consiste em bolas de poeira. Não se registraram meteoritos metálicos que parecem representar 1% dos corpos encontrados no espaço. Tais estudos demonstraram que as maiores partes dessas rochas se pulverizam antes de atingir o solo.
As grandes ameaças continuam sendo realmente os fragmentos dos núcleos de cometas que se desintegraram, como o do Biela, no século XIX. Realmente, todos os cometas parecem perder 1% de sua massa, composta de gases e poeira, a cada passagem próxima ao Sol.
Por outro lado, a Terra anualmente cruza os seus fragmentos, de modo que um novo Tunguska pode ocorrer. Assim, mais uma vez fica confirmado que o aparecimento dos cometas não é indício de mau agouro. Na sua ausência, o perigo é muito maior; parodiando a célebre frase “cão que ladra não morde”, diríamos que “cometa que brilha não traz má sorte”.
Para a maioria dos cientistas, o caso estaria resolvido por aí. Mas ainda há quem pense de maneira menos ortodoxa.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é astrônomo, autor de mais de 85 livros, dentre eles "Nas fronteiras da Intolerância: Einstein, Hitler, a Bomba e o FBI".
15/07/2008
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